sábado, 9 de outubro de 2010

Perigo nos Abrolhos


Diz a lenda que o nome dos maiores recifes de coral no Brasil veio do grito de alerta dado pelos marinheiros de outrora, "Abra os olhos!", para que se redobrassem os cuidados ao navegar pelos perigosos baixios. Dentro d'água, na região do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, no entanto, a ideia de perigo é logo substituída por uma rara sensação de paz e deslumbramento. Consigo surpreender o bodião-azul se alimentando dos corais-cérebro; moreias à espreita de presas; cardumes de peixes-anjo e barracudas. Vislumbro chapeirões, estruturas com formato de cogumelo que distinguem os recifes dos Abrolhos, tão valiosos em termos biológicos quanto as já conhecidas barreiras da Austrália e do Caribe.
Comigo nesse mergulho estão Luciano Candisani e Paul Nicklen, fotógrafos especializados em vida marinha. Nosso grupo foi convidado a visitar o sul da Bahia por cientistas da Conservação Internacional (CI), organização empenhada em tornar os Abrolhos uma área conhecida pelo mundo. Em fevereiro, a região do parque nacional recebeu o título de Sítio Ramsar, de importância global, que identifica as zonas úmidas especiais cuja manutenção é uma forma de conter os impactos das mudanças climáticas. Ali se concentra a maior biodiversidade marinha de todo o Atlântico Sul, com ecossistemas complexos, que vão de recifes de coral com altas taxas de endemismo até manguezais bem preservados. O parque é um refúgio para reprodução de espécies de peixe de grande importância econômica, como o badejo-quadrado e o guaiuba.

Nos últimos 20 anos, o estoque de peixes do sul da Bahia tem atraído frotas de pesqueiros comerciais vindos de outros estados. No porto de Alcobaça, testemunho um único barco de tamanho médio a descarregar pelo menos 10 toneladas de garoupa, caranha e outros peixes de recife. O que me deixa mais chocada, porém, é a quantidade de tubarões com barbatanas despejada das entranhas da embarcação. Sinto tristeza ao vê-los reduzidos a um monte de carne a ser consumida a milhares de quilômetros dali, em países que vão do México à China. "O controle sobre essas embarcações no Brasil é limitado. Tão logo os recursos são esgotados numa área, os barcos grandes se mudam para novas fronteiras", explica o oceanógrafo Rodrigo Moura, vinculado à CI-Brasil.

A lista de atividades destrutivas no fértil mar do sul da Bahia inclui pesca ilegal, criação de camarões, prospecção de petróleo e dragagem. Todas constituem uma ameaça às espécies locais, à abundância natural e à sobrevivência das comunidades costeiras. "Os Abrolhos são a primeira rede de áreas marinhas protegida no país. Estamos aprendendo muito sobre como implantar estratégias de manejo e como delimitar zonas vedadas à pesca capazes de funcionar como fontes de reabastecimento", conta Moura. “Além disso, os serviços proporcionados por esses ecossistemas marinhos e costeiros sadios, como o sequestro de carbono e a proteção da linha da costa, beneficiam uma área bem maior que aquela efetivamente protegida.”

Publicado em 10/2010 NGBRASIL.COM.BR

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